Casa de vó
Compartilhe:
Precisou a avó fazer noventa e cinco para juntar a família. Bem aquela, que se encontrou todas as semanas durante tantos e tantos anos. Onde tinham estado todos, enquanto o cabelo dela branqueava?
Vieram os filhos, a maioria dos netos e muitos bisnetos. Outros tantos faltaram, mas o lugar estava cheio outra vez, iluminado e barulhento.
Na sala, há muito desvisitada, um pouco de pó se acumulou sobre a mesa de canto e, na outra ponta, havia excesso de tralha. Uma parede, bem de frente para o espelho, exibia os retratos em preto e branco das primeiras crianças que cresceram correndo naquele quintal. Depois vieram caras novas, mais coloridas, lotaram o outro lado da parede na sala de jantar. Eram bebês que já não puderam sentar no colo da bisa, o braço foi ficando fraco, a cabeça também.
A casa era festa.
Teve bolo e brigadeiro, teve vela de aniversário, teve sopro, teve parabéns.
“Quem faz anos, eu?” - ela perguntou com a voz trêmula e um sorriso instável.
Sorriram de volta, a resposta guardada na boca cheia de chocolate.
Bem cedo, a festa acabou, ela precisava descansar. Beijos e abraços, os primos se cumprimentavam, “precisamos nos ver mais vezes”, “não é preciso esperar pelos noventa e seis”. A casa foi se esvaziando. Velinhas apagadas e a velhinha já recostada na poltrona, com o casaco de lã abotoado, as pernas cruzadas e os chinelos de couro pendurados, sorria, acenava com a cabeça.
Deu tempo das crianças ouvirem as histórias de um tempo que não volta. Deu tempo de se emocionar e reforçar a memória e as raizes.
Será que ela sabe que a festa era dela? Que o festejo era nobre, que a ocasião era rara? Será que notou que as crianças cresceram e se multiplicaram? Reparou que alguns faltaram? Seria dolorida demais a ideia da despedida sem saber quando, outra vez. Talvez por isso a partida assim, de mansinho, sorridente e instável, desligando um fio de cada vez. Melhor assim, sem calcular perdas, sem contabilizar faltas, sem antecipar qualquer adeus.
A casa era saudade.