Nunca será o bastante
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É assustador pensar que a criação toda de alguém está na nossa mão. Ou não toda e, ainda assim, quanto! Um ofício sem férias e sem domingo. Podemos amar os filhos mais que poesia, mais que noite de chuva, mais do que o céu azul e, talvez, cresçam carentes ou desamparados. Podemos proteger de todos os imprevistos previsíveis, mas não de tudo, e crescerão tão seguros quanto puderem, apenas. Podemos segurar todas as pontas, todas as barras, todos os gritos amarrados na goela e ainda seremos cobrados - por nós, por eles, por quem mais quiser - de que não foi o bastante, porque nunca será o bastante.
Não obstante, os filhos nos pedirão rio onde fizemos ponte, nos pedirão moinho onde não ouvimos o vento, nos pedirão sempre mais, se tudo correr bem. Foi bom acreditar que cumpririam à risca as nossas encenações. Mas era desperdício escolherem crescer apenas o que os criamos.
Sem saber o que não podem ser ou jamais serão, as crianças sonham ser o que não sonhamos para elas. Os filhos se constituem nas costuras do que pudemos fazer e do que ficou faltando, junto com o que ainda virá e que não será de nós. Amadurecer é soltar dumas amarras e poder refazer uns nós e uns laços com fios novos ou não. É cortar as pontas e apertar os pontos, mesmo que desalinhados. É dispensar os pais da responsabilidade por todas as alegrias e as derrotas, os tropeços e os trofeus. É assumir o protagonismo da trama dos encontros e das distâncias que a vida sempre é.