O lobo-mau e minhas fantasias maternas
“Mamãe, lobo-mau existe?”.
Essa era fácil: “existe, filho… existe, sim. Ele mora dentro da nossa cabeça e aparece nas histórias que a gente conta”. Nem sempre era o suficiente para tranquilizar meus meninos. Eles fechavam os olhos e tentavam ocupar o pensamento com alguma coisa menos orelhuda ou mais desdentada, até adormecer.
Crescendo, a pergunta foi ficando mais doída: “mamãe, não é que não existe ladrão?” Existe, filho… existe, sim”.
“Mas não é que ladrão só existe bem longe daqui, fora do Brasil?”
“Não, meu amor, não é assim, não”.
Depois que dormiam, eu nunca soube o que fazer com meus olhos tão grandes e escancarados, minhas orelhas tão grandes e em pé, minha boca tão grande e descrente da nossa vulnerabilidade.
Quando as crianças começam a fazer essas perguntas é porque já têm suas hipóteses. Elas só precisam de um pouco de ajuda para organizar as ideias. Não dá para apavorá-las com verdades cruas, mas também não se pode esconder todas as rudezas do mundo.
Nessa hora, quem mais precisava de colo era eu, assustada com a noção de que não poderemos livrar os filhos de tudo.
A chepeuzinho vermelho chegou em casa sã e salva, depois de ajudar os caçadores a parir sua avozinha. Fosse hoje, a história já estaria condenada, porque não tentaram, antes, o parto normal. Mas o final feliz garantiu o sono tranquilo de crianças e adultos. Voltaram juntas para casa, onde encontraram uma mãe preocupada, mas satisfeita da vida, porque a filha aprendeu uma lição. Então ela nunca mais vai se arriscar pelo caminho da floresta? Duvido um pouco. Ela ainda terá quinze anos… Mas descobriu que o caminho tem seus perigos e para que servem olhos, orelhas e boca tão grandes. Ela pode estar um tico menos ingênua para alguns encontros, um teco mais prevenida para alguns sustos, mesmo que o passeio seja pelo caminho do rio. A mamãe disse que esse era o caminho seguro, mas quem pode mesmo dizer?
E o lobo-mau? Faz uns anos que não encontro com ele nos livros e, por acaso, ele deixou de rondar as minhas fantasias?
Às vezes, tudo o que eu quero é um bichinho desdentado para tapar meus buracos negros. Alguém que diga que este caminho é seguro e garantido.
Mas já não dá mais. O lobo está sempre lá, em algum canto da minha cabeça. Rosna pra mim de vez em quando, arreganha os dentes e eu canto baixinho para ele voltar a dormir. Nem sempre é o suficiente para me deixar tranquila mas é o preço que a gente paga por ter filhos e por querer tanto alguém.

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